Milhões de Mulheres, meninas e menstruantes de forma geral, passam por situações alarmantes de crise sanitária, econômica e educacional no Brasil, carecendo da dignidade de menstruar de maneira mais saudável e tranquila possível, sobretudo com seus direitos básicos garantidos pelo Estado.
Crianças e adolescentes que menstruam têm seus direitos à escola de qualidade, moradia digna, saúde, incluindo sexual e reprodutiva violados, quando seus direitos à água, saneamento e higiene não são garantidos nos espaços em que convivem.
Segundo o SIS de 2019 (Síntese de Indicadores Sociais) um em cada quatro brasileiros vivem com menos de R$ 420,00 por mês. São 52,5 milhões de brasileiros vivendo em condições de extrema pobreza.
Estima-se que 48 milhões de pessoas não têm coleta de esgoto e 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada. 5,8 milhões de pessoas (2,8% da população) não tem banheiro em casa e condições de higiene básicas. 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas.
Os resultados são ainda mais alarmantes quando se analisa diferentes grupos de raça, gênero e classe social. Quando comparamos a quantidade de banheiros, exclusivos para moradores, disponíveis nos domicílios, terrenos e propriedades onde as meninas residem, encontramos que, proporcionalmente, a chance de uma menina negra não possuir acesso à banheiros é quase 3 vezes a de encontrarmos uma menina branca nas mesmas condições.
A chance de que as meninas negras vivam em domicílios com 4 ou mais banheiros privativos é 78% menor do que a das brancas. Dados do relatório: “Pobreza Menstrual No Brasil: Desigualdade e Violações de Direitos” (UNFPA/UNICEF).
Tendo em vista essas dificuldades enfrentadas, nascem ONGs, projetos, grupos de pessoas dispostas a ajudarem mulheres, meninas, menstruantes em condição de vulnerabilidade, como é o caso do “Projeto Dona do Meu Fluxo” uma união entre a Korui Ciclos de Vida ( fabricante de coletores) e Raízes Desenvolvimento Sustentável (ONG que destina parte do lucro das vendas de coletores para o projeto). O objetivo é de “empoderar mulheres e promover ambientes de troca diversos e ricos”. Isso é feito por meio da seleção das comunidades, estruturação dos workshops: Onde se discute sobre os tabus da menstruação, o corpo feminino, informações sobre saúde menstrual, autoestima, autoconhecimento e autocuidado; além disso são doados coletores menstruais para todas elas. Alternativa ecológica e sustentável.

Embora existam grupos e instituições dedicadas a beneficiar e auxiliar menstruantes em condição socieoeconômica precária, garantir direito e acesso a uma menstruação digna deveria ser uma política pública, embora a pobreza menstrual seja um tema que começou a ser mais discutido no cenário público, ainda carece de solução ou simplesmente é negligenciado.
Um levantamento realizado pela Johnson & Johnson Consumer Health em parceria com os Institutos Kyra e Mosaiclab constatou que a pandemia piorou a situação: 29% tiveram dificuldades financeiras nos últimos 12 meses para comprar produtos para menstruação e 21% têm dificuldade todos os meses. Muitas das mulheres afetadas pela pobreza menstrual fazem uso de produtos não indicados para absorver a menstruação durante o período: sacos plásticos, sacolinha de supermercado, roupas velhas, algodão, lencinho umedecido descartável, toalhas, panos, filtro de café, lenços de papel, papel higiênico e até mesmo jornal ou miolo de pão.

Além dos problemas de infraestrutura há outros fatores que impedem o enfrentamento efetivo da pobreza menstrual. Muitos veículos de informação tendem a disseminarem discursos biologizantes que reforçam estereótipos de gênero extremamente prejudiciais.
A conduta de políticas públicas, políticas sociais e mesmo a conduta clínica dos médicos repete preconceitos e contribui para que pessoas que menstruam sejam invisibilizadas e tenham sua dignidade negada.
A negligência dos diretos menstruais às pessoas trans e pessoas não binárias resulta em problemas que poderiam ser evitados: doenças infecciosas e até aqueles que podem levar a óbito como a síndrome de choque tóxico.
A falta de acesso aos direitos menstruais pode resultar ainda em sofrimentos emocionais desde a adolescentes a pessoas adultas tendo afetando diretamente o desempenho escolar, além de afetar a sociabilização e no potencial do desenvolvimento da vida adulta.
Dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013, do IBGE, revelaram que, das meninas entre 10 e 19 anos que deixaram de fazer alguma atividade (estudar, realizar afazeres domésticos, trabalhar ou até mesmo brincar) por problemas de saúde nos 14 dias anteriores à data da pesquisa, 2,88% delas deixaram de fazê-la por problemas menstruais.
A opção por ficar em casa é justificada ao se ver quão hostil pode ser o ambiente escolar sem a mínima infraestrutura de higiene para atender estudantes menstruantes, além dos ataques e comentários preconceituosos e violentos dirigidos aos mesmos.
Concluímos então que a pobreza menstrual é resultado da negligência dos direitos básicos. Acesso a esgotamento encanado, água potável, produtos de higiene, banheiros em boas condições nas escolas e nos domicílios, atendimento médico, etc são condições mínimas para garantir a dignidade do ser humano. Muitos problemas poderiam ser evitáveis se o Estado proporcionasse maior visibilidade investindo em infraestrutura e acesso a produtos de higiene intima.

Distribuição Gratuita de Materiais de Higiene íntima entra em Pauta
É discutido hoje na Câmara dos Deputados pelo menos dez propostas que tratam do assunto. O Projeto de Lei 61/2021, que propõe a distribuição de absorventes higiênicos pelo SUS; e o PL 4.968/2019, que cria um programa de distribuição gratuita de absorventes higiênicos para todas as alunas das escolas públicas.
Os PLs 128/2021, 1.702/2021 e 3.085/2019 tratam da isenção de impostos para produtos de higiene menstrual. A intenção é zerar alíquotas da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da contribuição para o PIS/Pasep incidentes sobre os absorventes e tampões higiênicos.
Foi aprovado este ano (26 de agosto) junto a outros 34 parlamentares o PL 4968/19 da deputada Marília Arraes (PT-PE) . O projeto de Lei prevê a distribuição gratuita de absorventes higiênicos, serão beneficiadas principalmente as estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino, mas também receberão o produto as mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade social extrema, as mulheres presidiárias e as adolescentes internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. A faixa etária varia de 12 a 51 anos.
O impacto previsto para a distribuição a 5,6 milhões de mulheres será de R$ 84,5 milhões ao ano com base em oito absorventes por mês/mulher. Pelas contas apresentadas pela relatora, para essa estimativa usou-se metade (R$ 0,15) do custo unitário de uma das marcas de mercado em levantamento de 2019. O preço projetado baseia-se na compra em escala pelo poder público.
As receitas virão dos recursos vinculados ao programa de Atenção Primária à Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), observados os limites de movimentação orçamentária.
A aprovação da PL é significativa para combater a precariedade menstrual no Brasil, isto impulsionará ações efetivas do poder público que darão visibilidade para as mulheres, adolescentes e menstruantes de forma geral que vivem em condições precárias; essas pessoas não dependerão somente de ONGs para terem acesso a meterias de higiene e se informarem sobre seu ciclo reprodutivo, enfim terão autonomia. A menstruarão deixará de ser um tabu na sociedade; é um grande passo em direção à dignidade menstrual.
Por: Vitor Simas, Sara Gouvea.
Referências:
Relatório: “Pobreza Menstrual No Brasil: Desigualdade e Violações de Direitos”
(UNFPA/UNICEF).
https://saude.abril.com.br/blog/com-a-palavra/pobreza-menstrual-um-problema-depolitica-
publica/
https://korui.com.br/homens-trans-menstruacao/
http://donadomeufluxo.raizesds.com.br
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